quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O bom e o mau sensei...


TRADUÇÃO DE TEXTOS DO AUTOR AMERICANO – *DAVE LOWRY (Livro: The Karate Way – O Caminho do Karatê) – “Um Caminho de aperfeiçoamento do bom caráter”

Capítulo – 3
O QUE VOCÊ PENSA SOBRE UM BOM E UM MAU SENSEI

As oportunidades de fazer entrevistas com karatekas (alunos ou professores) não são muito freqüentes para mim. Isso é bom, porque quando surgem oportunidades, eu geralmente passo adiante. Eu não sou habilidoso como entrevistador – o qual é uma maneira “graciosa” de tentar dizer que do ponto de vista da minha experiência, a maioria dos karatekas não têm muita coisa original ou intrigante para dizer. Há certamente exceções. Eu tenho encontrado algumas pessoas extraordinárias, que também acontecem de serem karatekas. O engraçado é que como isso funciona: O karatê tende a ser muitas vezes só de uma faceta, importante, mas, ainda somente uma na vida dessas pessoas incomuns. E ainda quando o karate é tudo o que eu tenho em comum com essas pessoas ou é o que fazem elas “diferentes”; eu não acho elas tão “interessantes”. E quando eu encontro alguém que é exceção a essa regra, entrevistando ele ou ela ou simplesmente conversando, eu tento ir logo para minha pergunta favorita. E é uma que me fascina em particular; e as respostas são muito informativas. A longa questão é:
“Suponha que havia um professor de Karatê cujas habilidades você admira e quem, no aspecto técnico, você admira e é um excelente instrutor. Ele é também um “ser humano normal”, e no caso, um “jeca”-“grosseiro”, “bem mau”, abusador da esposa, pilantra, Tomador de cachaça (bebida alcoólica). Alguém que você não convidaria para a sua casa, nem agora, nem daqui a mil anos. A não ser que ele seja aquele que possua habilidades no Karatê que você deseja ter também, e ele é alguém que pode lhe ensinar essas habilidades. E então você seria aprendiz desse professor?
Talvez, uma outra maneira de colocar isso seria essa: O quão importante é o caráter de um Sensei? É mais ou igualmente importante quanto o talento e a habilidade de transmitir os talentos pessoais? Contudo se você colocar dessa maneira, pode ser uma dura questão. “Bons senseis” (aqui eu me refiro ao ser “bom” tecnicamente), eles a si mesmo se referem, dessa maneira.
Eu moro numa cidade grande, onde alguém pode checar através da lista telefônica, cerca de três páginas cheias de endereços e telefones de Instrução Marcial, incluindo muitos centros de Treinamento de Karatê. Eu realmente não conheço esses “professores”. Talvez eu esteja “farto” disso. Eu não acho que eu possa encontrar algum em quem eu possa encontrar um bom sensei. De fato, vamos encarar, um bom Sensei é muito difícil de encontrar! E isso é verdade, até mesmo lá no Japão.
Então, vamos dizer que você sempre quis estudar-treinar o karatê-dô. E aí abre um dojô de karatê no final da sua rua, dirigido por um Sensei de Karatê de alta graduação, alguém com a reputação de ser um Instrutor Técnico “sem igual”, e você está pronto para se matricular no dia seguinte. Mas antes que o faça, você toma a liberdade de telefonar para alguns amigos seus espalhados pelo seu país e que conhecem a respeito desse professor. E aí as conversações revelam sórdidos detalhes. O professor regularmente “avança o sinal” no aspecto sexual (assédio), especialmente quando ele está fora ministrando seminários. Ele ocasionalmente faz uso e induz ao uso de drogas-substâncias ilícitas (proibidas). Porém isso não interfere substancialmente nas suas habilidades ou no seu ensino. Sua habilidade de ensinar você a socar por exemplo, não está ligada ao seu comportamento pessoal e você está convicto disso pelas pessoas que o conhecem. Eles revelam sobre essa “conduta horrível”, mas insistem que eles têm aprendido muito sobre a arte do karatê com o mesmo. Colocando isso de lado, essa conduta fora do dojô é inaceitável, pelo menos para você. O que você faria neste caso? – Vai treinar-aprender com ele, presumindo que o seu caráter moral irá lhe garantir imunidade em relação aos mais perniciosos aspectos da personalidade desse professor, permitindo você somente absorver o que for “tecnicamente bom” – Ou deixa passar a oportunidade, esperando que por algum outro golpe da sorte, outro similar e qualificado professor, possa de repente “cair do céu” e abrir um dojô também próximo à sua casa e dessa vez seja uma pessoa de elevado caráter?
Obviamente, a imensa maioria de nós preferiria, tornar tudo equânime, preferir tornar-se aluno de um bom professor, o qual é também uma boa pessoa, com elevado caráter. Porém como fazer quando as coisas não “casam” dessa maneira? Bem, um simples argumento poderia ser mencionado para amenizar essa questão, é que: “Ninguém é perfeito”. Agora se estamos à procura de um “salvador da pátria”, como um Mestre do Budô, estamos todos numa longa procura. Eu acho, contudo, que no “frigir dos ovos”, eu não dependo de um sensei de algum “budô japonês” como um modelo de pessoa. Eu não espero que ele seja perfeito. Eu observo ele primariamente como – Instrutor, alguém que possui algumas habilidades e possui maneiras de como repassar isso. Eu não tenho que aprovar tudo que ele faz ou pensa, para que eu possa aprender o que eu quero dele. Certamente tem sido verdade no meu caso particular. Eu não concordo inteiramente, em termos de política de entidade ou mesmo em outras questões do meu sensei. Eu não compartilho com ele todas as visões de vida que ele tem. Eu era suficientemente “pé no chão”, construído por mim mesmo quando eu comecei nas disciplinas do Budô japonês, de forma que eu não precisei de “guias morais”. Por outro lado, nunca houve nada que o meu sensei tenha feito que eu possa ter considerado moralmente repugnante. Eles não são “homens perfeitos”. Mas, decididamente a imensa maioria são homens decentes e em geral, lideram suas vidas para o alto. São também, em sua maioria, honestos e respeitadores das outras pessoas. E mesmo que eu não precise deles como “modelos morais de pessoa”, eu constantemente me refiro a eles como tal.
Eu era meramente um adolescente quando eu comecei a prática do budô. Os homens que me ensinaram tinham muito a dizer sobre a maneira que eu pensava acerca do comportamento de adultos em geral. Os psicólogos nos dizem que os pais carregam o maior volume de responsabilidade, na criação de nosso caráter moral. Eu não duvido disso. E foi assim no meu próprio desenvolvimento. Mas, ainda nós não devemos ignorar a influência exercida sobre nós – dos técnicos de esportes, dos professores escolares, de pastores ou padres ou líderes comunitários que passam muitas horas com os jovens – tais como professores de artes marciais. Então em relação a isso, eu fui um afortunado. Se tivesse tido a má sorte suficiente de ter sido treinado com professores que fossem desonestos ou imorais, é possível que eu tivesse mudado como pessoa. Tipos de budô como o karatê-dô tinham tido um tremendo efeito em minha vida. A qualidade daqueles que me guiaram seria difícil de subestimar. Eu estou sempre a me lembrar disso.
Outro dia simplesmente, eu havia escutado de um leitor de colégio secundário (nível médio), o qual pediu minha opinião se deveria continuar treinando com seu professor. O tal sensei estava se encontrando (saindo) com uma colega do dojô, mas estava paquerando, na aula, com outra. E uma discussão calorosa surgiu entre o professor e sua “namorada” no meio de um treinamento! No caso, eu tentei visualizar algum dos meus professores por acaso tendo uma conduta desse tipo em alguma circunstância. E eu não consegui! E eu imagino, se eu tivesse tido uma liderança imatura e irresponsável desse tipo na minha juventude, eu não teria a perspectiva que eu tenho de budô hoje em dia. Eu não sei dizer, falando de minha própria experiência, o que seria bom ou ruim para mim de ter separado o que um sensei pensava e o que o sensei era. Porque nenhum dos meus professores havia incorporado tamanha desconexão. Eu tive sorte. Contudo, isso também me fez ter uma pobre autoridade sobre esse assunto, e isso é que é o porquê que eu gosto de fazer perguntas para aqueles que tiveram esse tipo de experiência ou aqueles que puderam ter uma perspectiva mais iluminada de solução.
Algumas das respostas que eu tenho recebido à esta questão, têm sido de alguma maneira, modelos equivocados. Você de fato treinaria com alguém que fosse tecnicamente proficiente, mas um péssimo ser humano? Alguns diriam: “Depende do nível dessa imoralidade ou comportamento inapropriado”. Um professor casado que tivesse tido um caso com uma aluna, se arrependeu e que tenha tentado se reerguer sua vida e seu casamento depois disso – é uma coisa. Um sensei que se dá ao luxo de abusar sexualmente de alunas continuadamente, é outra coisa. A maioria dos que eu fiz esta pergunta, fazem distinção entre “erros” que cometemos como seres humanos falhos; e atos deliberados de depravação e estupidez. Eu penso que eu faria esta distinção também. Eu quero dizer que: Não importa o quão grande e habilidoso seja um sensei, não há nenhuma chance de eu treinar com um professor que cometeu ou comete atos dessa natureza, que eu considero suficientemente repreensíveis: “predação sexual”, roubo, uso de drogas (drogadicção). Suponho que todos nós temos nossas convicções. Mas se nós a temos, nós precisamos aplicá-las inteiramente, ou então, elas não teriam significado algum.
Tais coisas, eu me apresso em dizer, são aplicáveis não somente em relação “aos outros”; mas, por reflexão, a nós mesmos. Devido a isso, eu quero dizer que eu não iria considerar como meu sensei, uma pessoa que fosse viciada em drogas, cocaína por exemplo. Entre outras razões, eu não iria querer o meu nome associado com alguém desse tipo. Alguns irão discordar dizendo: “Eu tenho o sensei lá do dojô, da mesma forma que eu contrato um encanador para consertar minha torneira e eu o pago pelo que ele me cobra. E eu não me importo com o que ele faz lá fora. Eu não tenho nada a haver com isso.” Este tipo de argumento é uma “racionalização”. Você e seu nome por bem ou por mal, estão associados ao Dojô que você faz parte, não somente por causa dos aspectos e ensinamentos técnicos envolvidos. Você não tem poder para decidir que sensei vai ministrar as aulas, nem de que maneira ele as fará, mas você pode decidir permanecer ou não.
Eu penso que essa questão de considerar as qualidades pessoais e o caráter como fatores de aceitação ou de rejeição de um sensei, se aplica também a outra questão levantada por outro leitor. – Existe um tipo de professor de artes marciais que clama ensinar na maneira “Sogo Budô” ou uma “arte marcial abranjente”, significando que tal arte contêm métodos de combate desarmado, bem como o uso de técnicas com espada e outras armas. Às vezes eu tenho visto algumas demonstrações dessa parte de combate com armas de algumas escolas dessas, e realmente foi patético. Obviamente “com formas modernas”, e provavelmente oriundos da imaginação desses “senseis”. E ainda, outras pessoas, cujas opiniões eu valorizo, insistem que a parte “sem armas” de tal arte como estas são válidas e boas. O consenso é que o professor obteve os ensinamentos em “alguma fonte”, e que também ele possui um bom talento, em ter melhorado o que ele ora aprendera no passado. E o mesmo o tem feito, associando o uso de várias coisas e armas, na esperança de dar à sua arte (estilo ou sistema) alguma “autenticidade histórica”.
Eu fui perguntado recentemente – o que eu desejaria, se eu tivesse a chance e o interesse de aprender um outro tipo de sistema de combate, se eu seria aluno de um sensei assim. Poderia eu passar por cima de aspectos “inventados” de sua arte marcial para aprender realmente coisas boas? A primeira resposta que me vem à mente seria esta: NÃO, eu não admitiria isso! Porque se eu não posso acreditar em tudo que o sensei fala ou ensina; eu também não posso acreditar naquilo que ele me conta.
Talvez isso tudo seja muito simplista. É fácil para mim dizer isso, baseado no fato que eu tive professores (senseis) que eram bons tanto no aspecto técnico, quanto no aspecto moral. Eu podia acreditar em tudo que eles me contavam, pois era verdade. Então, se você está numa posição de ter que tomar uma decisão sobre a questão que estamos tratando, sinta-se livre para ignorar meus conselhos ou pensamento. Mas, por favor mantenha em mente aquilo que falei antes. Eu mencionei que não existem muitas pessoas que sejam capazes de me conduzirem de maneira satisfatória no caminho da excelência no Karatê-dô ou em outro “Budô”. Pense a respeito; pense aonde você que ir ou chegar no estudo do Karatê-dô ou de outra Arte Marcial. Se você for claro sobre isso; você terá seu caminho mais claro e saberá mais claramente quem você é, e o que realmente quer e deseja para lhe direcionar no seu caminho.

Tradução: Rilton Rodrigues - BKK-BRASIL, Jan. - Fevereiro de 2011.

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*Excelente texto!

Faz-nos refletir:

_Podemos contratar um professor apenas por suas habilidades técnicas, independente de seu caráter, da mesma forma que contratamos um prestador de serviços (barbeiro ou um eletricista)?

Sempre fui afortunado com relação a professores, que sempre eram bons tecnica e moralmente. Me lembro agora de um princípio que meu pai ensinava: Junta-te com um bom e serás melhor que ele. Junta-te com um mau e serás pior que ele. Considero a tradição marcial uma coisa boa e quero que ela passe, por exemplo ao meu filho. Se eu fumo não tenho moral para aconselhar meu filho a não fumar. Caso eu tenha um professor que eu não tenha como exemplo, que argumentos vou como impedir meu filho se junte com pessoas que não são de bem?

Técnica de combate x capacidade moral


A maioria das vezes em que vi o confronto entre talento e dedicação, a dedicação triunfou. Um profissional inexperiente, porém dedicado, procurará estudar mais, se atualizar, treinar, em suma melhorar.
Poucos praticantes ( eu me incluo entre eles) buscam a profissionalização. A maioria esta lá ou para desestressar, ou aprender a se defender, ou melhor ainda, aprender a ser uma pessoa melhor. Além disso, há professores excelentes na demonstração e pobres na luta em si e vice-versa. Mesmo entre os excepcionalmente bons na demonstração e no combate, há que se avaliar sua didática (capacidade de transmissão) é raríssimo encontrarmos professores que dominar estas 3 dimensões (didática, combate pleno e demonstração). Comentam que o próprio Ueshiba tinha uma didática péssima.

A segunda questão é: o que considerar como comportamento inaceitável para um professor?
Certamente que não um deslize ocasional, pois afinal, como disse o autor, todos somos falhos e sujeitos ao erro. Mas quando se observa um padrão, com relação há coisas como:
  • Dinheiro : está sempre pedindo dinheiro adiantado, emprestado ou quer que você seja fiador dele?
  • Sexo: está sempre envolvido(a) ou procurando se envolver com algum(a) aluno(a)?
  • Compromissos: marca, esquece e falta? Deixa sempre um monitor pra dar aula? Inscreveu alunos(as) para um torneio e ao perceber que os(as) mesmos(as) não tiveram bons resultados saiu antes aí certamente é uma "fria " continuar com o professor, instrutor

*O autor é gradudo em karate, Judo, Aikido e Kenjutsu/Kendo. Escreve muitíssimo bem, tendo sido praticamente educaod e treinado por senses japoneses.

** Reflexões do FELIPE

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