quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A arte da cooperação


O texto a seguir foi postado pelo sensei Christian Rocha em 21/10/2008 no site  Aikido Ilhabela, que faz parte do grupo Shin Shin Toitsu Aikido de Ilhabela. Acho que explica bem a filosofia marcial do aikido. As imagens foram adicionadas como divulgação.


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 A arte da cooperação  



Você treina, treina, treina. Torna-se habilidoso em técnicas de combate. Ganha agilidade, flexibilidade e capacidade de concentração. Depois de anos treinando arte marcial, você é invejado por seus colegas — você já os derrotou nos treinos, embora o clima amistoso sugerisse outros modos de interagir. Mas então surge o dia em que seu sensei decide que você irá participar de uma competição. Algo simples, um encontro entre lutadores de várias cidades da região. Não há com que se preocupar, ele diz. Você se dedicou por muito tempo à sua arte e, de fato, não há razões para você duvidar da própria capacidade. Você é bom no que faz. E é isso que lhe incomoda.
 
Como tudo no mundo, a qualidade define-se pela ausência dela. Só percebemos o mundo pelo contraste. Ser habilidoso numa luta significa que outras pessoas não são tão habilidosas como você. Isto é, numa escala que vai de 0 a 10, você estaria, digamos, num nível 7 ou 8, muito acima das pessoas comuns, que não praticam qualquer arte marcial. E é exatamente isso que lhe incomoda.
 
Você nunca pensou em praticar uma arte marcial com o objetivo de ser melhor do que outras pessoas. Pensava, sim, em ampliar seus próprios limites, tornar-se melhor do que você sempre foi, aprimorar-se física e espiritualmente — porque você nunca esqueceu que as artes marciais são um caminho para a vida, e a que você escolheu para si não foge à regra. Não passou pela sua cabeça a possibilidade de competir, porque a competição preserva o ciclo de vitória e derrota que degenera o mundo desde que a humanidade existe. Aliás, você não vê muita humanidade na competição: de um lado o campeão colhe os louros da vitória, de outro o derrotado amarga o próprio fracasso. A certeza disso surgiu nos treinos: quando você era iniciante, um lutador mais experiente agachou-se para ajudá-lo e demonstrou a maneira correta de executar algumas técnicas. Simplesmente não havia por que ele ostentar a força e a experiência que possuía. O que você precisava não era ser derrotado, mas ensinado. E assim foi.
 
De outro modo, você poderia ter saído daquele dojo como um fracassado. Frustrado com a derrota, alimentaria um espírito de vingança, que, se não atingisse aquele que o derrotou, certamente seria dirigido para as pessoas ao seu redor. Você teria se tornado um sociopata ou poderia ter se enveredado por caminhos errados, desenvolvendo vícios e aprendendo artes que não são exatamente dignas de receber este nome — pois há muito de bondade, dignidade e honra em todas as artes. Acumular conhecimento errado, indigno ou desonroso: assim nasce a maldade numa pessoa.
 
Mas não foi isso que lhe aconteceu. Aquele lutador era muito habilidoso, derrubou-o quando você menos esperava. Mas, diante da sua derrota, ele veio até você e mostrou seus próprios erros, ensinou-lhe as técnicas corretas e, mais, disse que um dia havia cometido os mesmos erros e havia se deparado com alguém que lhe ensinou a arte na qual se tornou mestre.
 
O aikido é uma das poucas artes que têm como base esse espírito cooperativo. Não há competições nessa arte nascida no Japão, há mais de 50 anos. Um dos grandes méritos de Morihei Ueshiba, o fundador do aikido, foi ter abandonado o lado competitivo do budô.
 
Uma das mais graves doenças modernas é o espírito competitivo. O indivíduo inclinado a derrotar algo que lhe é externo — uma doença, uma pessoa, uma empresa — só será capaz disso se estiver disposto a sacrificar seu lado humano, pois a verdadeira humanidade só permite a cooperação. Quando nos deparamos com outro ser humano e o respeitamos como tal, vemos nele as mesmas virtudes e angústias que nós mesmos temos ou que um dia tivemos. Diante dessa identidade, não somos capazes de lhe causar mal.
 
Ao contrário, como ensinava Cristo, sentimos amor e compaixão e tais sentimentos não permitem a competição, mas apenas a cooperação, isto é, a vontade de estar em ressonância com outro, de lhe ajudar ou de receber sua ajuda. Quando competimos, afastamo-nos de nosso lado humano. Quando cooperamos, aproximamo-nos de Deus, na medida em que Ele criou um mundo em que a dependência e a cooperação fazem parte da natureza de todos os seres humanos.
 
Conciliador e fraternal: assim é o aikido, a arte da cooperação.


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