domingo, 8 de setembro de 2013

A Compaixão do Guerreiro: uma lição de Aikido



 Por Ayako Yamamoto
 (Traduzido por Paulo C. G. Proença -- Dojo Kokoro - Sorocaba).

 
 
Minha jornada para as artes marciais começou em minha infância, e então, meus dias de treinamento eram cheios de impaciência e de desejo de mostrar superioridade. Ao fim de cada aula, eu estava com dores e ensopados de suor, mas minha compreensão do aiki era mínima. Enquanto eu tentava relembrar-me de tudo sobre a técnica, prestava pouca atenção à todo e qualquer ensinamento que dizia respeito ao espírito. Aprendendo Daito Ryu Aikijujutsu num dojo familiar e particular lotado de alunos, foi uma experiência maravilhosa. Lá conheci o verdadeiro shugyo, mas me equivoquei em muitos assuntos: eu confundia a disciplina com rigidez, dedicação com mente fechada e competência na técnica com o verdadeiro espírito. Eu tinha nível técnico, mas me faltava a unidade, a singularidade. Eu estava aprendendo a fazer mas negligenciando como ser. Esses erros foram resultado de meu próprio e profundo egoísmo.
Eu não tinha dificuldade em me relacionar com amigos que estudavam artes marciais com atitudes similares. Muitos deles falavam excessivamente com orgulho de seu estilo de arte marcial enquanto que denegriam as outras. Não compartilhávamos nada, mas criticávamos a tudo. Na maioria, éramos orientados para atingir metas e motivados somente pelas coisas que conseguíamos com sucesso. Cegamente, eu não via nada de errado com essa atitude.
O destino me traria cara a cara comigo mesmo, no momento em que eu mais necessitava.Quando deixei o Aichi-ken, eu estava entusiasmado para me juntar ao Shima Dojo, para o qual fui recomendado. Mas o dojo estava temporariamente fechado quando cheguei, e o Sensei Shima estava fora. Então comecei a procurar a outro local para treinar temporariamente. Um de meus amigos me indicou a um dojo de Aikido que ficava perto. Sabendo que o Aikido tinha suas raízes no Daito Ryu, segui sua indicação.
 
O dojo de Aikido era muito formal, mas ao mesmo tempo caloroso e acolhedor. No final de cada aula, alguns dos estudantes mais avançados se aproximavam a mim, me fazendo perguntas sobre meu conhecimento de Daito Ryu. Eu explicava com prazer o Daito Ryu waza, tentando demonstrar as similaridades com o Aikido. Infelizmente, o instrutor acabou escutando e ficou muito chateado. Ele foi extremamente severo apontando minha imprudente quebra de etiqueta, dizendo que somente Aikido seria ensinado em seu dojo. Foi me mostrado, de certo modo, que eu não seria mais bem vindo naquele dojo. Tudo o que eu havia ouvido sobre a natureza do Aikido, de repente havia perdido a credibilidade. A óbvia aversão do instrutor sobre o Daito Ryu era, eu sentia, realmente desnecessária.
"Que maravilhosa essa forma de céu e terra Tudo criado pelo Senhor; Somos membros de uma só família"
(Mohihei Ueshiba - O-Sensei)
 
Com o coração partido, comecei a me sentir certa rejeição pelo Aikido e pedi orientação ao meu antigo mestre de Daito Ryu. Seu desdém pelo Aikido não era menor do que a aversão sentida pelo professor de Aikido em relação ao Daito Ryu. Fiquei um pouco confuso, mas decidi que o problema estava no Aikido ----- uma conclusão que era mais fácil para eu aceitar do que as outras alternativas.
 
Menos de uma semana depois, fui informalmente apresentado a outro instrutor de Aikido. Minha impressão foi de que ele era mais velho e mais gentil do que o primeiro instrutor de Aikido que eu havia encontrado, mas ele me parecia um pouco mais forte. Comecei a treinar com no dojo desse professor, e acabei gostando tanto do treinamento que decidi ficar por um tempo.
Por causa da natureza mais gentil desse instrutor, eu acabei lhe contando sobre o incidente anterior e fiquei aliviado quando sua resposta inicial foi um sorriso.
 
Como foi maravilhoso poder falar livremente sem medo de ressentimento! E ainda mais maravilhoso foi ser convidado a demonstrar as técnicas do Daito Ryu para os alunos mais avançados. A intenção não era confrontar os alunos ou comparar a eficiência das técnicas do Aikido, mas compartilhar de maneira harmoniosa. Sem a existência de ameaças de nenhum dos lados.
 
Por causa desse instrutor, comecei a entender o que O-Sensei Morihei Ueshiba ensinou, aprendi pelo exemplo ----- a melhor maneira de ensinar. "Sem ai (amor), não existe o verdadeiro Aikido", meu professor me disse. "Que tipo de homem eu seria se eu não confiasse no que O-Sensei tentava tão duramente nos mostrar? Como eu poderia chamar o que eu ensino de Aikido?". Desse professor, eu aprendi a verdadeira humildade e o significado de "vitória justa". Ele não havia sido derrotado por uma mente fechada, como eu uma vez fui. Seu aiki era o verdadeiro aiki.Quando veio a época de eu retornar ao dojo do Sensei Shima, me senti magoado e triste. Por um pequeno período de tempo, o valor do Daito Ryu havia sido diminuído pela memória negativa do comentário de meu antigo mestre sobre o Aikido. Agora que eu havia visto a verdadeira natureza do Aikido, eu me sentia desconfortável com suas palavras. Até que decidi ir com minhas idéias até o Sensei Shima.Para meu prazer, Sensei Shima não estava nem um pouco preocupado com meu treinamento de Aikido. Na verdade, ele até parecia satisfeito ----- e novamente eu me senti livre. "Ninguém ganha com essa briguinha besta", disse ele com um sorriso. "Não se esqueça do que voce aprendeu com seu Sensei de Aikido. Ele é um bom professor".
 
Sensei Shima também era um ótimo professor ----- um homem com espírito tão forte com uma harmonia interna tao grande, quanto meu Sensei de Aikido. Sensei Shima também entendia o ai (amor). Minha confiança no Daito Ryu estava renovada, e eu me senti em paz.
Hoje, quando viajo a outros países, tenho prazer em ver as pessoas compartilharem aiki. Eles podem ser de estilos de bugei diferentes dos meus ----- Aikido, Karate, etc... ----- mas eles todos tem um conceito filosófico em comum: a harmonia. Cada um tem uma disposição de cultivar o espírito.
 
Em meus apontamentos de Aikido, eu escrevi a seguinte citação de meu instrutor:

Se você é fraco, treine.
Se você é forte, treine.
Se você sente velho, treine.
Se você se sente jovem, treine.
Se você está triste, treine.
E se você estiver feliz, treine.  
 
Treine sem pensar em uma razão e não se entusiasme em demasia com nada.
Na metade da vida, treine, e deixe que seu espírito  tire o que necessita disso.  Se você fizer isso, a harmonia não irá te evitar e seu Aiki será verdadeiro.
Esse ensinamento ajudou meu treinamento a se tornar uma forma de oração em movimento. Aprendendo a discernir o verdadeiro espírito dentro de nós mesmos, alivia as diferenças entre nós, e revela a extraordinária beleza de nossas similaridades.
As maiores dificuldades que encaramos como praticantes das artes marciais, hoje eu entendo, são achar essa harmonia, aprender sobre ela e lutar para entendê-la inteiramente.
 
Nota: Este texto foi originalmente publicado em português no site do Instituto Takemussu. 

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