O conto de hoje foi encontrado no blog lusitano Histórias em Portugues e fala sobre o crescimento. Boa leitura!
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Pena-de-Águia-Flutuante, filho e neto de índios maias, contou-me esta história, aprendida de um monge budista da Tailândia.
"Um guerreiro de rosto tenso, cansado
de vaguear sem destino, de festins para derrotas e destas para triunfos
ilusórios, foi um dia visitar, no fundo de uma floresta, um eremita
bastante afamado pelas suas bondade e sabedoria imperturbável. Na cabana
de ramos onde foi recebido, depois de ter contado ao santo homem as
penosas aventuras e de ter confessado o seu cansaço perante as maldades
humanas, disse:
― Só te quero a ti como mestre. Ensina-me o saber que ilumina o teu rosto e que torna a vida bela.
O eremita aconselhou-o a que meditasse,
procurasse para além das aparências, se esforçasse por descobrir, nas
nocivas ninharias do mundo, o fruto saboroso da paz. Ensinou-o a dominar
a respiração e a conduzir os pensamentos. Conversaram durante três dias
inteiros, após os quais o guerreiro prometeu ao mestre observar
aqueles mandamentos.
"Como poderei amar os outros se não me amo?" |
Decorrido um ano, límpido para um, amargo
para o outro, o guerreiro, que tinha decidido atingir a sabedoria,
envolvera-se corajosamente no caminho traçado, mas perdera-se nos
labirintos da alma. E assim, numa manhã de Verão, tendo chegado ao fim
das suas forças, veio queixar-se ao santo homem:
― Apesar dos meus esforços ― disse ―, não
fiz quaisquer progressos. É claro que sei agora respirar como me
ensinastes, mas continuo ávido, infeliz e incapaz de amar. Como poderei
amar a vida que me rodeia? Como poderei amar os outros se não me amo a
mim mesmo?
Com infinita paciência, o eremita deu-lhe
novas pistas. Ensinou-lhe a arte de conter os excessos dos sentidos e a
de alcançar as calmas profundezas do coração, para lá de toda e
qualquer tempestade. Três dias depois, o guerreiro partiu, revigorado,
cheio de novas esperanças. Fatigou‑se ainda um ano inteiro a livrar o
espírito dos fardos que o cobriam, observou rigorosamente a disciplina
que lhe tinha sido aconselhada, tentou compreender e saborear a vida,
mas nada conseguiu.
Então, sentiu-se mais infeliz do que
nunca, e acabou por se perguntar se a vida que levava antes de ter tido a
ideia peregrina de alcançar a sabedoria não era melhor do que a
insuportável impotência em que mergulhara. Dirigiu-se uma vez mais à
cabana do eremita e repreendeu-o pela sua incompetência.
― Não soubestes ensinar-me a amar ― disse-lhe. ― Acho que não passas de um impostor!
O eremita não se ofendeu, muito pelo
contrário. Ouviu as queixas com uma atenção quase infantil e, depois,
foi a um canto escuro da cabana buscar um jogo de xadrez.
― Joguemos uma partida ― disse-lhe, a
sorrir ―, mas que seja definitiva e impiedosa. Aquele que perder deve
morrer, o que vencer cortar-lhe-á a cabeça. Estás de acordo?
O guerreiro, surpreendido, olhou para o mestre; depois, vendo brilhar nos seus olhos uma luz de desafio, respondeu:
― Está bem.
Colocaram, à frente da cabana, o
tabuleiro sobre uma laje e, à sombra de uma grande árvore, sentaram-se
frente a frente, debruçando as testas enrugadas sobre as figurinhas de
madeira. E a partida começou.
Pouco tempo depois já o guerreiro estava
em má posição. Ao fim de seis jogadas já tinha perdido três peças
importantes e o rei estava perigosamente a descoberto. Sentiu medo.
Transtornado pela mão fria da morte, que já sentia pesar sobre a nuca,
começou a jogar cada vez pior. Doze jogadas depois estava à beira da
derrota. Olhou para o adversário e viu-o completamente impassível.
Decerto que não hesitaria um momento em matá-lo, se acaso perdesse.
Nesse momento pensou que era altura de
refletir sem erros. Lembrou-se de que costumava ser bom no xadrez e
tornou-se-lhe claro que só o espectro da morte o impedia de mostrar o
que valia. «Em primeiro lugar, tenho de me desembaraçar do medo, se
quero uma oportunidade de sobreviver; tenho de me desembaraçar dele
imediatamente!»
Esforçou-se por respirar como aprendera e pensou:
«Aconteça o que acontecer, tenho de dar o meu melhor. Só isso importa.»
Então, contemplou o tabuleiro com
atenção redobrada. Viu como salvar o rei, em risco de ser comido. Foi
invadido por uma alegria súbita. Recuperou a esperança e esqueceu o
pânico. Dezoito jogadas depois a sua situação restabelecera-se a ponto
de encarar confiantemente uma longa batalha. Ao fim de vinte e quatro
jogadas descobriu uma falha no jogo do adversário. Exaltou-se e deu um
grito de triunfo.
― Perdeste ― disse.
Estendeu vivamente a mão para devorar a
rainha na brecha oferecida, mas deixou-a suspensa sobre o jogo. Olhou o
eremita. Viu-o ainda e sempre impassível. Nesse momento interrogou-se:
«Por que razão mataria eu este homem corajoso? Estou certo de que
poderia ter ganho facilmente a partida quando o medo me atormentava. Mas
não o fez. Que bárbaro seria se abatesse o meu sabre sobre o seu
pescoço?»
"Por fim compreendeste" |
A exaltação abandonou-o subitamente.
Fungou, baixou a cabeça e empurrou um peão inútil. Então, só então, o
eremita voltou o tabuleiro ao contrário na relva com um gesto
desajeitado.
― Por fim compreendeste… Primeiro, é preciso vencer o medo. Só depois pode vir o amor ― disse.
O guerreiro sorriu. Só agora tinha descoberto como poderia viver em plenitude!
Imagens: divulgação
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