domingo, 27 de novembro de 2016

ENTREVISTA KOICHI TOHEI - 1ª parte

Entrevista com Tohei Sensei - 10º Dan




Koichi Tohei (1920-2011)
O Aikido cresceu explosivamente desde a Segunda Guerra Mundial. Koichi Tohei, um destacado colaborador neste desenvolvimento, é talvez uma das pessoas mais qualificadas para falar a respeito da história do Aikido. A maioria dos shihan do aikido da atualidade (mesmo aqueles de sétimo dan ou acima), foram, em algum tempo, instruídos por Tohei.




Sentindo fortemente que as gerações futuras decidirão seu próprio destino, Tohei optou por falar muito pouco durante os anos. Afinal, com a condição de que nós mostrássemos as atividades da sua organização e o seu pensamento como são, Tohei Sensei finalmente concordou com esta entrevista exclusiva para o Aikido Journal.



Como o único aluno de Morihei Ueshiba a ser oficialmente detentor do décimo dan e uma figura que ocupou uma posição de central importância no mundo do Aikido pós-guerra, Tohei teve a oportunidade de falar francamente conosco a respeito de suas opiniões e experiências.


Nesta primeira parte da entrevista, abordaremos  Os principios do céu e da terra e como Tohei Sensei conheceu O-Sensei ( Morihei Ueshiba): 

Os Princípios do Céu e da Terra e a Minha Abordagem da Vida

AJ: Sensei, fale-nos a respeito da sua abordagem do Aikido.

Tohei Sensei: Enquanto nos movemos em direção ao século XXI, o mundo em que vivemos vai se tornando mais e mais relativo. Por haver frente, também existe atrás. Por haver acima, existe também abaixo. Dentro deste mundo relativo, nada é absoluto em sua correção. Não é possível, por exemplo, que o norte seja correto enquanto que o sul não. Ambos são simplesmente "fatos".

O único caminho seguro para estar absolutamente correto é evitar ser apanhado no redemoinho dos chamados fatos do mundo relativo, e ao invés disso, estar em concordância com os princípios absolutos do Céu e da Terra. Quando se tornam o padrão de julgamento, que está de acordo com os princípios do céu e da terra está correto, enquanto que o contrário, não.

A ação decisiva nasce de um entendimento daquilo que está de acordo com os princípios do Céu e da Terra. A falta desta compreensão conduz ao "esforço não razoável" ou muri, cujo significado literal é "ausência de princípio", e deve ser evitado. Este sempre foi o meu modo de pensar e a razão pela qual evitei escrupulosamente agir de forma que envolvesse esforço inútil ou que fosse contra esses princípios.

O Aikido é essencialmente um caminho para estar em harmonia com o ki do Céu e da Terra. No entanto, muitos daqueles que estão envolvidos no budo tendem a falar de coisas que são ilógicas e envolvem um esforço inútil, coisas que são impossíveis. Mas o meu modo de vida é evitar fazer qualquer coisa que não esteja de acordo com um princípio.

Estórias e Realidade: O que realmente aprendi com Mestre Ueshiba?

AJ: Qual foi a coisa mais importante que o senhor aprendeu com Morihei Ueshiba?

Tohei Sensei: A forma como as pessoas falam a respeito de ki hoje em dia tende ao ocultismo, mas eu diria que nunca fiz qualquer coisa, mesmo remotamente, envolvendo o oculto. Muito daquilo que Ueshiba Sensei falava, por outro lado, soava mesmo como oculto.

Visitando o Honolulu, Aiki Dojo:  Sensei Tamura, O-Sensei e sensei Koichi Tohei
Todos com guirlanda de flores no pescoço (tradição havaiana)
No meu caso, comecei a estudar Aikido porque vi que Ueshiba Sensei havia dominado verdadeiramente a arte do relaxamento. Era por estar relaxado de fato, que ele podia gerar tanto poder. Me tornei seu aluno na intenção de aprender isto com ele. Para ser honesto, nunca dei ouvidos para a maior parte das outras coisas que ele dizia.

Estórias sobre Ueshiba Sensei movendo-se instantaneamente ou arrancando pinheiros do chão e dobrando-os são apenas estórias. Sempre adverti as pessoas no Aikido a evitarem escrever sobre coisas como essa. Infelizmente, muitos pareceram não ouvir. Ao invés disso, elas simplesmente diminuíam o tamanho da árvore na estória, de algo enorme para somente cerca de 10 cm de diâmetro. Na realidade, é muito difícil arrancar até mesmo uma única raiz da terra, assim, como alguém no mundo poderia extrair um pinheiro de dez centímetros, especialmente estando de pé sobre seu sistema de raiz? Tais coisas não são nada além de exageros do tipo que são usados em contos à moda antiga.

As estórias se tornaram ainda mais incríveis desde que Ueshiba Sensei faleceu e agora as pessoas o têm movendo-se instantaneamente e reaparecendo de repente a um quilometro de distância e outras loucuras. Estive com Ueshiba Sensei durante muito tempo e posso dizer-lhes que ele não possuía poderes sobrenaturais.

AJ: Sensei, o senhor parece em muito boa forma para um homem perto dos setenta e seis anos. Sempre foi assim?

Tohei Sensei: Na verdade, eu era bastante frágil quando criança. Meu disse pai que eu precisava ficar mais forte e me fez começar judo, que treinei na Universidade Keio. Treinei duro e finalmente cresci mais forte, mas depois de entrar para o programa preparatório em Keio, um ataque de pleurite forçou um afastamento de um ano. Meu vigor tão duramente conquistado começou a sumir outra vez.

Incapaz de suportar o pensamento de perder aquilo pelo qual eu tinha trabalhado tanto para conseguir, substituí o judo por outras formas de treinamento tais como zazen (meditação Zen sentada) e misogi (purificação). Eu jurei que não deixaria minha força desaparecesse outra vez, mesmo que isso me matasse. Preocupar-me com a minha saúde e viver como um semi-inválido não fazia nada pela minha recuperação, e assim mandei tudo para o alto, e disse a mim mesmo que eu deveria lançar-me no treinamento, ainda que isso me matasse. O Aikido fazia parte desse treinamento também. Concentrei-me em manter-me forte e em algum ponto, os raios-X mostraram que a pleurite estava completamente curada. Surpreendentemente, eu tinha ficado bom.

Embora as idéias fossem um pouco vagas na época, eu tinha uma sensação de que foram minha mente e espírito (kokoro) que motivaram meu corpo. Compreendi que o estado mental é importante. A doença física é normal (embora indesejável), mas é inaceitável permitir que a doença se estenda à sua mente ou ao seu ki.

Quando você está relaxado, a técnica flui melhor
Em japonês, quando o corpo sofre de alguma disfunção, chamamos a isso yamai ou byo, que significa simplesmente "mal-estar"; mas quando o distúrbio se estende para o ki também, chamamos byoki. Assim, embora meu corpo possa estar afetado por algum tipo de mal-estar, não devo deixar que ele se estenda ao meu ki. Se a mente estiver saudável, o corpo seguirá.

Além disso, estando afastado do judo por quase dois anos, na época em que obtive o meu segundo dan, todos já tinham sido promovidos a quarto ou quinto dan. Mesmo muitos dos terceiro dan haviam progredido muito além de mim, e podiam lançar-me por todo o lado. Aquilo não era muito interessante e nem muito divertido.

Esperando fortalecer-me, fui para casa e comecei a chutar levemente os pilares ao redor da construção. Depois de fazer isso umas duas mil vezes por dia, contudo, as paredes começaram a cair. Minha irmã mais velha não gostou muito disso e me fez ir para fora, no jardim. Depois de umas poucas semanas, eu conseguia mover meus pés com a mesma agilidade e destreza que as mãos. Voltei ao dojo e era capaz de arremessar todos.

Conhecendo Morihei Ueshiba

AJ: Quando o senhor entrou para o Ueshiba Dojo?

Tohei Sensei: Acho que foi em 1940. Kisaburo Osawa entrou cerca de uma semana depois.

Eu pensava no quanto era pobre o estado de coisas, tanto que eu podia treinar por minha conta por um par de semanas e voltar e lançar todos no dojo de judo. "Por que me aborrecer com uma arte marcial como essa?" Pensei. Foi quando conheci Ueshiba Sensei. Shohei Mori, um dos meus seniores no clube de judo e que trabalhou na Manchurian Railway, me contou a respeito de um professor com uma força fenomenal e me perguntou se eu gostaria de conhecê-lo. Deu-me uma carta de apresentação e eu fui.

Em momento de descontração, podemos ver a família UeshibaO doshu Kishomaru (na época waka-sensei) está entre seus pais 
Koichi Tohei está ao fundo, à esquerda de O_Sensei
Sensei Saito é o último à esquerda
Ueshiba Sensei estava fora quando cheguei ao dojo e fui recebido por um uchideshi chamado Matsumoto. Perguntei a ele o que era o Aikido afinal. Ele respondeu, "Dê-me a sua mão e eu mostrarei." Eu sabia que ele ia fazer alguma coisa comigo, assim estendi a minha mão esquerda ao invés da direita. Ficando com a direita livre, eu queria manter a minha mão mais forte na reserva. Ele agarrou meu pulso e aplicou um nikkyo contundente. Eu não havia fortalecido aquela parte do meu corpo, assim foi agonizante. Tenho certeza de que fiquei pálido, mas eu não ia deixar que ele levasse a melhor, assim agüentei a dor tanto quanto pude. Então desferi um soco com a minha mão direita e ele ficou perturbado e largou.

Eu comecei a pensar que se o aikido era aquilo, deveria esquecer e voltar para casa. Foi então que O-Sensei retornou. Mostrei minha carta de apresentação e ele disse " Ah, sim, do Sr. Mori..." E então, como demonstração, começou a arremessar um dos maiores uchideshi pelo dojo.

Pensei que aquilo parecia algum tipo de farsa até que Ueshiba Sensei me disse para tirar o casaco e ir até ele. Assumi uma posição de judo e me movimentei para agarrá-lo. Para minha grande surpresa, ele me arremessou tão suave e velozmente que não pude sequer imaginar o que havia acontecido. Soube na hora que era aquilo que eu queria fazer. Pedi permissão para me inscrever imediatamente e comecei a ir ao dojo todos os dias, a partir da manhã seguinte.

Achei o treinamento muito estranho e misterioso, e estava ansioso para saber como as técnicas eram feitas. Quando alguém usa força para lançar você, há sempre alguma coisa que você pode fazer para reagir ou contra-atacar. Mas a estória é diferente quando a pessoa não está fazendo nada em particular e você continua a ser arremessado. Pensei, "Uau, isso sim!"

No começo eu não tinha idéia do que estava acontecendo. Até mesmo colegiais podiam me atirar sem qualquer problema. Achando tudo aquilo bastante ímpar, tentei agarrar mais e mais fortemente, mas é claro então que eu era apenas lançado com muito mais facilidade.

Ao mesmo tempo, eu continuava a treinar no Ichikukai (veja a entrevista com Hiroshi Tada para mais informações). Eu costumava ficar lá a noite inteira praticando zazen e misogi. O treinamento se dedicava a alcançar um estado iluminado no qual tanto o corpo como a mente se tornassem inteiramente livres de restrições. Era exaustivo e depois disso eu ia praticar aikido, quase morto de cansaço. Para minha surpresa, descobri que nesse estado, as pessoas que sempre podiam me arremessar ficavam completamente incapazes de fazê-lo! Além disso, eu não precisava fazer muito esforço para arremessá-los. Todos acharam estranho e diziam coisas como, "O quê está acontecendo com Tohei?. Ele "pula" a prática e volta mais forte do que nunca.!"

É bem mais difícil ser arremessado por alguém se você esvazia a sua força e também é muito mais fácil arremessar seu oponente. Pensei sobre O Sensei e compreendi que ele, sem dúvida, praticava o seu aikido relaxado. Foi quando de repente entendi o verdadeiro significado do "relaxamento".

Meu aikido continuou a progredir à medida que eu continuava com o meu misogi e zazen. Cerca de seis meses depois, eu estava sendo até mesmo mandado para ensinar em lugares como a academia da polícia militar em Nakano e em outras academias particulares (juku) de Shumei Okawa. Ninguém exceto O-Sensei podia me arremessar. Levou apenas meio ano para me tornar capaz de obter aquele grau de habilidade, assim pensei que levar cinco ou dez anos é devagar demais.

Mesmo hoje a maioria das pessoas estão lutando para aprender as técnicas ao máximo, mas eu aprendia a respeito do ki desde o começo.

AJ: Quando foi que o Senhor entendeu que O-Sensei havia dominado a "arte do relaxamento"?

Tohei Sensei: Provavelmente foi quando ele vivia em Ayabe e estava profundamente envolvido com a religião Omoto. Ueshiba Sensei sempre contava uma estória sobre um dia em ele estava em pé próximo a um poço se enxugando depois do treino quando de repente entendeu que seu corpo se tornara perfeito e invencível, e compreendeu com uma clareza notável o significado dos sons dos pássaros e insetos e tudo o mais ao seu redor. Aparentemente, esse estado durou cerca de cinco minutos, mas acho que foi quando ele dominou a arte do relaxamento.

Infelizmente, ele sempre falava sobre essa experiência usando expressões religiosas, que eram mais ou menos incompreensíveis para os outros.

Antes da guerra, O-Sensei ensinava no Naval Staff College, onde tinha por aluno o Príncipe Takamatsu (um irmão mais novo do Imperador Showa). Em certa ocasião, o Príncipe apontou para Ueshiba Sensei e disse, "Tente levantar aquele senhor ". Quatro fortes marinheiros tentaram de tudo para levantá-lo, mas não conseguiram.

O-Sensei disse na época, "Todos os espíritos divinos do Céu e da Terra entraram em meu corpo e eu me tornei imóvel como uma rocha". Todos entenderam literalmente e acreditaram nele. Eu o ouvi dizer esse tipo de coisa centenas de vezes.

Por meu lado, nunca tive seres divinos entrando em meu corpo. Nunca pus muita fé nesse tipo de explicação ilógica.

O sorriso é o condutor do KI
Uma vez quando estava com O-Sensei no Havaí, havia uma demonstração em que se esperava que dois fortes alunos havaianos tentariam me levantar. Eles sentiam que não conseguiriam, assim não estavam muito preocupados. Mas Sensei, que observava, levantou-se dizendo, "Parem, vocês podem levantar Tohei, podem levantá-lo!!. Parem, façam-nos parar! Esta demonstração não está boa!"

Sabe, eu fiquei na rua bebendo até três horas da manhã na noite anterior e O-Sensei sabia das condições em que voltei para casa. Ele disse, "É claro que os deuses não vão entrar em um bêbado como você! Se o fizerem, todos ficarão tontos!" É por isso que ele achava que eram capazes de me levantar.

Na realidade, este tipo de coisa nada tem a ver com deuses ou espíritos. É apenas uma questão de possuir um centro de gravidade baixo. Sei disso e é o que ensino a todos os meus alunos. Isso não significaria nada se apenas algumas pessoas especiais possam fazer isso. Estas coisas têm que ser acessíveis para todos se realmente têm significado.

As pessoas com os chamados "poderes sobrenaturais" são normalmente as únicas que podem fazer aquilo que afirmam. Os outros não podem fazer o que elas fazem e elas não podem ensinar, porque aquilo que fazem não é real; é farsa. Qualquer um pode fazer o que ensino. Elas estão vivas nas técnicas do aikido tal como são. Tudo o que você precisa saber é como fazer certo, e vê-las como poderes sobrenaturais que requerem a presença de algum deus ou outra coisa assim é um grande engano. Vejo isto como minha responsabilidade para ensinar corretamente.

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